quarta-feira, 30 de abril de 2008

Esse trem desgovernado, o amor

Quantos erros cometemos apenas porque amamos demais!

Essas delicadas faltas são perdoadas por Deus, que fez o coração justamente para ser indomável. Infelizmente a sociedade não tem a mesma complacência.

O pelourinho moral, a guilhotina da exclusão, o cadafalso social - é o que espera aquele cujo único erro foi ter dado ouvidos ao amor.

Força, Ronaldo. Enfurnadas que estão em suas rotinas sufocantes, as pessoas acabam nutrindo uma inveja doentia por aquele que conseguiu romper as amarras do tédio. Bem-aventurado quem se entrega à paixão sem pensar duas vezes!

Pergunto: qual foi o pecado do pobre Ronaldo? Ele, que sucessivas vezes foi abandonado pelas mulheres de sua vida. Jovens deslumbrates que o Fenômeno tratou como verdadeiras rainhas, oferecendo a elas mimos e alegrias, mas que dele só queriam o dinheiro e a fama.

Ele, que mesmo tendo prestado serviços inestimáveis para o futebol, tornou-se, nos últimos anos, alvo de críticos maldosos que só pensavam em dilapidar sua carreira, alegando - absurdo dos absurdos - que o craque estava gordo.

E o que falar do destino, implacável, eterno algoz dos joelhos e músculos do camisa nove?

Iludido, ludibriado, difamado e contundido. O que sobra para um homem destes? Amar, certamente. Em doses cavalares, de preferência.

Qualquer criatura que um dia já sentiu o coração bater à vista do ser amado não pode condenar o Ronaldo. Deve antes se compadecer dele. O cupido não deixa escolha às suas vítimas.

segunda-feira, 28 de abril de 2008

Obina!

Manuel de Brito Filho. A prova de que todo ser humano só precisa se sentir amado para produzir bons resultados.

Quando chegou ao Flamengo, em 2005, o Obina era um jogador canhestro e, por isso mesmo, a torcida se desesperava toda vez que ele entrava em campo. Não dava um passe certo. Não chutava uma bola no rumo do gol.

E ainda vivia acima do peso. Resultado dos acarajés, segundo ele mesmo confessava.

A esperança dos flamenguistas era de que, um dia, como todo jogador atualmente, Obina acabaria recebendo uma proposta do futebol árabe ou da Coréia e finalmente deixaria a Gávea.

Meses se passaram e o Obina continuava lá. Seu futebol ficava pior a cada dia. A imensa barriga crescia a olhos nus.

O que fazer? - se perguntava a desesperada torcida. O que fazer?

Então alguém teve uma idéia: vamos idolatrar esse sujeito.

Soava insano. Mas que outra alternativa havia?

A essa altura, estávamos no inverno de 2006.

Foi quando, por puro acaso, sorte ou destino, Obina marcou dois gols na final da Copa do Brasil, contra o Vasco, levando o Flamengo ao título. Quem poderia prever?

Um canto começou a ser ouvido nas arquibancadas do Maracanã: "Ô, Obina é melhor que Eto´o/ Obina é melhor que Eto´o/ Obina é melhor que Eto´o, Ô"

Daí em diante, nada mais pôde segurar o artilheiro do acarajé.

Ele aprendeu a jogar futebol, agora dá bons passes, belos dribles, chutes certeiros e cabeçadas indefensáveis? Não. Ele perdeu peso, melhorou o condicionamento, está mais ágil? Não. O que mudou então? É que hoje Obina é um idolatrado.

Eu sou flamenguista. Um gol do meu time me deixa feliz. Um do Obina me dá ânimo para agüentar a semana.

Muitos torcedores de outros times acham que veneramos o Obina apenas por galhofa. A esses invejosos pergunto se não assistiram o jogo de ontem contra o Botafogo. Obina também faz gols. E ele nem precisa disso.

Termino aqui com um apelo a todas as entidades sobrenaturais que regulam o futebol, porque é sabido que elas existem. Quando estiverem com vontade de romper os ligamentos do joelho do Obina, como aconteceu em fevereiro de 2007, por favor, reconsiderem. Rompam os meus, que não sou profissional mas bato umas peladas vez ou outra e tenho joelhos que, diz lá o médico, aprontariam o maior estalo no momento da contusão.

sexta-feira, 25 de abril de 2008

Boca fumegante

Pra quem viu o jogo do Boca pela Libertadores na terça-feira ficou uma certeza: aquilo já transcendeu a categoria de time de futebol; na verdade, é um coração que corre, faz tabelas, ataca e defende.

Alimentado por que tipo de artéria? Pelas arquibancadas da Bombonera.

É preciso ainda citar um nome. Juan Roman Riquelme.

Somando a tudo isso o fato do Boca ter conseguido heroicamente sua classificação ao mata-mata da Libertadores, é quase irracional duvidar de sua capacidade de conquistar novamente o título.

Pior para quem atravessa o caminho da avalanche.

É possível detê-los? Claro. O coração tem seus triunfos, mas sucumbe à alma. A Bombonera pulsa, nós conhecemos um estádio que ama. Riquelme é craque; há, porém, os guerreiros.

No final, fica a estupefação do enorme quando descobre existir um maior ainda.

terça-feira, 22 de abril de 2008

O regresso do cachorro com lingüiça

O futebol brasileiro está bem, porque cada vez mais se reaproxima da sua essência fundadora: a várzea.

Até algum pouco tempo atrás renegávamos essa gloriosa vocação. O Brasil fez de tudo para se livrar do estigma da pelada. Tentaram expurgar o amadorismo do nosso futebol.

Não conseguiram. Há forças universais, como o vento e o raio, também na sociedade. Impossível domá-las.

É claro que a tentativa de profissionalizar o futebol brasileiro partiu de algum gestor moderno. A esses paladinos da máxima eficiência, lanço a pergunta: que vergonha há em ser incompetente e trapalhão, se ao mesmo tempo for apaixonante e divertido?

O futebol é um brinquedo. Profissionalizá-lo é tão absurdo como profissionalizar a amarelinha, por exemplo.

O Felipão uma vez, comentando o futebol praticado no meio do século, usou o termo "a época em que se amarravam cachorros com lingüiça".

Esses tempos estão de volta.

Gás de pimenta no vestiário, erros absurdos da arbitragem, chulices compartilhadas entre as torcidas, bate-boca de jogadores, apagão no estádio. Só não somos a favor da violência - o resto é todo bem-vindo.

A mais bela demonstração de amadorismo e apego à várzea do fim de semana, no entanto, não foi nenhuma dessas pérolas listadas acima. O que enchou os olhos do amante do futebol cachorro com lingüiça, da pelada sensu stricto, foi a comemoração do Renato Silva no domingo, após marcar, aos 40 do segundo tempo, o gol que levou o Botafogo à final do Carioca.

Renato Silva, o clássico zagueiro brucutu, perseguido pela torcida, execrado pela crítica, grosso e trombador. Ó ironia. Ele nem acreditou que tinha feito o gol.Saiu vibrando como uma criança na várzea, um bebum na pelada do churrasco, um coitado que acorda às cinco da manhã para ir ao trabalho e descobre que é domingo.

Renato Silva, no próximo jogo, volta a ser Renato Silva.

Ele nunca chegará à seleção, não vai revolucionar a posição do zagueiro, nunca terá o nome ovacionada nas arquibancadas.

Mas sua contribuição ao futebol brasileiro é de valor inestimável.

sexta-feira, 11 de abril de 2008

Sim, é possível

De repente, no lugar de uma tristeza quase certa, uma alegria inesperada.

Assim foi a vitória do Flamengo sobre o Cienciano, nas alturas insondáveis de Cuzco, coração do império Inca, berço e jazigo da última grande civilização da América do Sul.

Os antigos incas, quando depararam-se com os espanhóis pela primeira vez, vendo aqueles homens implacáveis montados em cavalos e empunhando pistolas fumegantes, julgaram tratarem-se de demônios. Os jogadores do Flamengo devem ter causado a mesma impressão na quarta-feira.

E eu que já dava a derrota como certa. E eu que achava impossível vencer os 3.800 metros de altitude. E eu que achava que a falta de oxigênio prejudicaria os pulmões de aço dos atletas flamenguistas. Perdão, ó valorosos mártires.

Solapar o Botafogo no domingo será apenas um mero desdobramento de uma avalanche que começou no Peru e terminará no Japão.

Como costumam dizer nas arquibancadas andinas:

Sí, se puede.